E há 7 anos, a A24 lançou seu melhor filme de amadurecimento (e não é Lady Bird)
A A24 é conhecida por suas abordagens únicas e, muitas vezes, surreais para uma variedade de conceitos. A ênfase do estúdio no controle criativo direto dos diretores gera histórias onde o insólito e o extraordinário prevalecem. O estúdio também presta atenção especial à paleta de cores, à iluminação, à trilha sonora e a outros aspectos técnicos que elevam o filme além do esperado. Alguns dos maiores sucessos da A24, como Hereditary e Everything Everywhere All at Once, reinventaram os gêneros de terror e ação-thriller, com foco em temas complexos e sequências vívidas e imaginativas que proporcionam uma imersão total.
Outro gênero que a A24 explora com a mesma maestria é o amadurecimento. Talvez o filme coming-of-age mais aclamado do estúdio seja a estreia solo de Greta Gerwig em Lady Bird, que acompanha uma estudante do último ano do ensino médio e o relacionamento tumultuado que ela mantém com sua mãe. Embora esse longa capture com sensibilidade a experiência adolescente – comparando a vulnerabilidade da protagonista com a realidade da América no início do período pós-11 de setembro –, há um filme da A24 que encapsula de maneira extraordinariamente visceral toda a vivência da adolescência.
Eighth Grade constrói meticulosamente uma experiência crua e relevante
Em Eighth Grade, Kayla compartilha detalhes da sua vida por meio de uma série de vídeos amadores no YouTube. Essa escolha vem da experiência pessoal de Bo Burnham, que iniciou sua carreira como criador de conteúdo na plataforma. Em entrevista ao The Los Angeles Times, ele ressaltou como adolescentes – em sua maioria meninas – se declaram em seus quartos por longos minutos, encarando a webcam do laptop, postando vídeos sem uma audiência preestabelecida e buscando, de forma crua, se expressar e se definir em tempo real.
Diferentemente dos personagens conectados às redes sociais, Eighth Grade não se apoia excessivamente na conectividade online. Com o fim do ano letivo, Kayla reflete sobre seu tempo na escola básica. Inspirada pelo projeto de cápsula do tempo que realizou no 6º ano, ela resolve se expor mais e aventurar-se, de propósito, em territórios desconfortáveis – como a clássica festa na piscina da garota popular e sarcástica, Kennedy. Além disso, ela decide experimentar mais sua sexualidade para conquistar a atenção de seu apaixonado, de olhos azuis, Aiden.
É justamente nessa festa que Kayla conhece Gabe, um rapaz doce e um tanto alheio às convenções sociais, que contrasta perfeitamente com sua personalidade. Gabe, que se destaca por querer ignorar opiniões alheias – inclusive realizando posições de equilíbrio na piscina enquanto usa óculos de proteção grandes – revela sua timidez apenas em situações específicas, principalmente quando está com Kayla. Essa dualidade expõe diferentes formas de lidar com a ansiedade, sejam os medos persistentes de Kayla ou as inseguranças pontuais de Gabe, fazendo com que o filme crie uma identificação tanto para os jovens quanto para os adultos que enfrentaram desafios semelhantes na juventude.
O filme retrata sem esforço a timidez e a ansiedade de crescer
Em Lady Bird, Christine – ou Lady Bird, como escolhe se chamar – tem a oportunidade de viver no mundo que sempre almejou, mesmo que isso signifique expor verdades dolorosas. Ela mente para sua colega sobre morar em uma casa elegante com o intuito de se aproximar e escapar de sua realidade desfavorável, o que a distancia de sua melhor amiga. Além disso, ela vive experiências intensas, como perder a virgindade com o bad boy Kyle, antes de descobrir que não foi sua primeira aventura, o que gera um turbilhão de sentimentos na protagonista. Embora Lady Bird carregue um peso emocional evidente, Eighth Grade constrói cenas com uma delicadeza e atenção aos detalhes capazes de provocar uma resposta quase instintiva, especialmente em momentos mais desconfortáveis e embaraçosos.
Em uma das cenas mais memoráveis, o pai afetuoso – mas um tanto distraído – de Kayla a surpreende justamente quando ela está prestes a levar uma banana à boca, dando início a uma conversa extremamente constrangedora, mas também hilária. Enquanto diversos filmes adolescentes com classificação adulta costumam focar em cenas de atividade sexual sem pudores, Eighth Grade se destaca ao centrar sua narrativa em uma personagem inexperiente, que busca maneiras inusitadas de compreender e explorar sua sexualidade. O filme também reflete sobre a pressão social que muitas jovens sentem para agradar os outros: Kayla tenta se acostumar com a ideia de sexo oral, mesmo ficando visivelmente desconfortável.
O que inicialmente pode parecer uma situação inocente logo se transforma em uma cena difícil de assistir, quando Riley a convida para um jogo de verdade ou desafio, a manipula para que ele remova a própria camiseta e, então, exige que ela faça o mesmo. Mesmo assim, quando ele se aproxima para tocá-la, Kayla se impõe e grita, fazendo com que ele recue. Em seguida, ele a critica, afirmando que ela não terá sucesso no ensino médio e que essa experiência foi “para o bem dela”. Essa sequência impactante culmina em um acúmulo de inseguranças para a protagonista, mas o desfecho, que traz um toque de esperança com um reencontro emocionante com o pai e um momento de confraternização com Gabe, suaviza a carga emocional do filme.
Mesmo após cenas tão intensas, uma incerteza persistente acompanha toda a narrativa – algo intrínseco à juventude. No final do filme, Kayla declara: “Só porque as coisas estão acontecendo com você agora, não significa que vão acontecer para sempre.” Com essa frase marcante, ela resume uma fase inevitável na vida, que, embora pareça interminável, irá encontrar seu caminho e contribuir para o crescimento pessoal.
A visão impecável de Bo Burnham ganha vida de forma tão revigorante que deixa uma marca profunda na alma do espectador. O ponto forte das experiências de Kayla está na centralidade da vulnerabilidade emocional e na maneira convincente como ela lida com seus conflitos, algo que ressoa tanto nos jovens quanto naqueles que já trilharam caminhos semelhantes em suas jornadas de amadurecimento.

Adriana Kvits é uma amante fervorosa da cultura japonesa, com um profundo amor por animes e mangás. Sua dedicação em explorar e compartilhar as complexidades dessas narrativas a torna uma voz apaixonada e uma guia confiável no emocionante mundo otaku.